A felicidade e a morte de Moise Kabagambe
A realidade se apresenta triste. Uma morte a mais numa persistente estatística brasileira de violência racial. Consigo sentir uma dor profunda que é fruto de um mal estar que não é só meu. Não fui partícipe das escolhas que resultaram na morte do congolês Moise Kabagambe, no Rio de Janeiro. Mas ela me atinge. Ela integra os meus sentimentos nesta semana. O que fazer?
A primeira reflexão a que chego é que a realidade sempre trará situações em que terei uma escolha sobre persistir no meu ideal de felicidade ou a outra opção - que seria terrível: desistir de espalhar boas notícias tão necessárias nesta época.
Ah, essa outra opção não faz parte da minha personalidade! Eu amo a vida. A minha e a de todos os outros. Não posso deixar que a escolha absurda daqueles espancadores no Rio me retire a vontade de crer que o Brasil será mais justo, junto com os novos e velhos movimentos sociais e que o racismo será excluído da paleta de cores social. Todas as consequências dessa morte: protestos, discursos, reparações e tudo que no futuro vier me fazem crer que a sociedade irá se transformando.
Moise, em sua juventude, tinha direito à felicidade. Seu assassinato acordou mágoas em mim, em todas as pessoas justificadas contra a discriminação baseada na sua origem, escolha sexual, nacionalidade, cor de pele. Mas também acordou minha vontade de fazer diferente. De escolher uma possibilidade de contribuir para a paz futura entre as raças. Pode ser utopia minha, mas o outro modo negativista de digerir a realidade destruiria a ternura que eu espero para o amanhã.
Meus sentidos sobre Moise retornam com a vontade maior de ser amada e de amar, não de agredir ou espancar. Tenho essa escolha. Como disse Viktor Frankl, que sobreviveu aos campos de concentração nazista na Europa, pesquisador e psiquiatra doutor emérito em universidades pelo mundo todo, inclusive no Brasil, onde veio falar sobre Logoterapia em Porto Alegre, "o ser humano, originalmente, está à procura de um sentido e busca outra pessoa para amar e se sentir amado".
Em luto, meu peito ainda canta uma canção de liberdade. A liberdade que eu escolho: a de pertencer a um lado que fala de paz. Assim Moise ficará vivo em mim, com sua esperança e direito a viver melhor. Porque a vida grita por um compartilhar de soluções sociais e emocionais que começam no um, começam em mim. Porque todas as vidas importam.
(Texto Rosemari Gonçalves, psicóloga, fevereiro de 2022).
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