Ser feliz é beber água!

Por Rosemari Gonçalves, psicóloga e psicopedagoga



(Ilustração: Paul Sanz I Villa, Freepik)

O que será que vem primeiro? 

Sermos felizes para só depois agirmos?

Ou agirmos antes para só depois sermos felizes? 

Para entender esse dilema, perguntamos sobre felicidade para sete crianças. Isso porque as respostas dos adultos podem nos deixar ainda mais confusos.

"Antonela, o que te faz feliz?", perguntamos. "Ser feliz é beber água, é não fazer nada, é subir em árvore, é comer", respondeu a menina que acabou de fazer 5 anos, sem nem buscar complicações.

 Porque é tão difícil ao adulto ser feliz? Perguntamos isso ao espelho toda vez que a vida traz até nós as principais questões existenciais: nossa instabilidade geral frente aos fatos, a necessidade de ter um outro ao nosso lado que não nos obstrua o crescimento, a finitude da vida, a nossa incomplentude, a solidão inerente à condição humana.

Porque somos adultos, as variáveis para a equação da felicidade se multiplicam e quase perdemos a certeza de que ela é possível de ser atingida. Mas ela é um fim? Ou é um meio?

"Isaque, o que é felicidade?", perguntamos ao menino de 10 anos, em Poá - SP. "É jogar futebol. É estar com minha família", disse ele.

Para lembrarmos de um tempo em que a felicidade poderia ser o colo da mãe, o suco predileto, uma festa em família ou uma brincadeira no quintal eu perguntei a esses meninos e meninas com uma pergunta direta, sem muita explicação. Precisava não pensar muito, não decorar resposta. Deixar vir o que viesse primeiro à cabeça. As crianças se empolgam com questões claras e diretas. Para elas é apenas mais um brincar. 

Podemos primeiro comparar as respostas com o que dizem dois psicólogos famosos dos quais eu gosto muito.

O feliz adulto - Gilberto Safra, psicanalista autor de "A Poética na Clínica Contemporânea", diz que "comunidade é nossa condição originária. Só nascemos em comunidade, somos em comunidade e morremos em comunidade" (página 73). Por isso damos tanta importância ao acolhimento que recebemos e nossa felicidade parece estar ligada ao Outro, sempre e sempre. É pela cultura, pelo agir criativo que o homem do passado se vincula ao futuro e consegue antever um propósito - realizá-lo é o que o fará feliz.

Viktor Frankl vai além no livro "Em Busca de Sentido". Diz que ser feliz independe de cirscunstâncias adversas. O bem viver e a vida boa tem esse aspecto de comunhão, de busca significado coletivo. Ele diz que mais avançado é aquele que se autotranscende do que aquele que se autorrealiza. Felicidade é para fora. É ação no mundo. A felicidade, então, é uma consequência de boas ações voltadas para o bem pessoal e - principalmente - coletivo.

O feliz infantil -"Nicolas, o que é felicidade?", eu quis saber do garoto morador de Vila Velha - ES, de 10 anos. Ele apontou coisas simples. "É estar na casa dos meus avós e dos meus outros avós. É jogar futebol e me divertir com amigos".

Ora, ninguém parece associar com brinquedos, viagens, roupas e outros aspectos presentes na vida infantil, como sucesso escolar, reconhecimento de suas aptidões, poder de controle sobre coleguinhas ou ascendência sobre outras crianças da família. Para onde foi a competividade e a exigência rebelde que atribuímos aos pré-adolescentes?

"Beatriz,  o que é felicidade", indagamos a menina de quase seis anos, moradora da capital paulista. Para ela, felicidade é "quando alguém está com alguém que gosta, quando ela está contente".

Seria chover no molhado perguntar a uma menina de 8 anos se ela gosta de brincar. 

Mas Helena, de Vila Velha - ES, destacou ser importante com quem brincar para estar mais feliz: "ser feliz é brincar e me divertir e estar com meus avós e pessoas de quem gosto".

Porque a criança associa felicidade à sentir-se segura e aceita. Assim ela pode exercer sua criatividade com atos, com comportamentos que geram felicidade.

Luiza Ribeiro, de 6 anos, de Mogi das Cruzes - SP, define: "felicidade é quando a gente pode expressar nossos sentimentos". 

E para não deixar dúvidas sobre como é simples (embora as complicações dos adultos afetem muito a possibilidade infantil de realizar essa felicidade), vemos que Viktor Frankl estava certo sobre o sentido da vida estar na expressão de nossos melhores dons e qualidades.

Segundo Maria Ribeiro, de 9 anos, em Mogi das Cruzes - SP: "felicidade é quando você brinca e faz as coisas que mais gosta".

Já dizia a Monja Coen em seu livro "O Bom Contágio" que esse sentimento não faz alarde, nem se ostenta.

Ser feliz é um estado de satisfação que nos preenche e fica como pano de fundo de nosso dia a dia, quando estamos no lugar que devemos estar. 

Legal que a autora revele que a felicidade é contagiosa e por isso fica por nossa conta praticarmos atos positivos em nosso próprio benefício, no dia todo e em todo lugar.

(Psicóloga Rosemari Gonçalves - CRP 16/6679)

Referências: 

Coen, Monja - O Bom Contágio, Editora BestSeller, 2021.

Frankl, Viktor E. - Em Busca de Sentido, Editora Vozes/Sinodal, 1946.

Safra, Gilberto - A Poética na clínica Contemporânea, Editora Ideias e Letras, 2004.


Comentários

  1. Que genuíno! Só as crianças para nós fazermos lembrar de como é bom e simples ser feliz ❤️ Gratidão amiga ❣️🌷

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